quarta-feira, 2 de julho de 2008

ensaio sobre FERNANDO PESSOA - revisado





Sobre a obra de Fernando Pessoa

Breve ensaio

Fernando Pessoa: Faces e Sombras

Um dos temas mais inusitados da literatura moderna é o dos

heterônimos de Fernando Pessoa, o célebre poeta lusitano que

foi reconhecido depois de morto. A condição fragmentária, de

muitas perspectivas, de seus 'outros autores' tem importunado

os bons literatos desde o momento em que o baú do poeta foi

aberto em pública exumação.

Pois enquanto vivo Fernando Pessoa somente foi reconhecido

pela obra "Mensagem", publicada em 1934, quando de um

concurso a nível nacional, sendo os demais poemas publicados

com freqüência em revistas literárias, a saber, Orpheu, Centauro,

Portugal Futurista, Atena, Presença, Momento, Sudoeste, Seara

Nova, dentre outras, desde 1915, quando levou a público poemas

que escrevia desde 1911/12, com inspirações ora clássicas,

ora ocultistas.

Para lidar com suas múltiplas influências, Pessoa passou a

ser 'pessoas', cada uma com características próprias e estilos

peculiares. Faces múltiplas para melhor apreender o mundo,

uma vez que não existe uma perspectiva ideal para se enxergar

tudo. Então - semelhante ao deus dos gnósticos - Pessoa resolveu

se 'despedaçar', se fragmentar para melhor sentir de todos os

modos em todos os momentos. Mas para isso - para tornar-se

mais 'futurista' - ele precisou 'matar' o seu eu mais naturalista,

mais agrário, mais 'sossegado', o seu mestre Alberto Caeiro.

Quem é Alberto Caeiro? Ele diz, "Sou um guardador de rebanhos.

O rebanho é os meus pensamentos E os meus pensamentos são

todos sensações." Ou seja, ele logo diz que é mais sensações,

mais emoção do que razão, enquanto sabemos - bons leitores

que somos - que Pessoa é do tipo racionalista, mesmo com suas

lições de astrologia... Em contrapartida, Álvaro de Campos é

emoções em torvelinhos, mas ainda muito erudito, muito culto,

muito cheio de conhecimentos, os mesmos que Caeiro não detém.

Então como poderia ser Caeiro e Campos ao mesmo tempo?

Caeiro é reconhecido como 'mestre', mas deixado a beira do

caminho. Não há lugar para o seu olhar de girassol, ainda mais

num mundo tecnocrata a sempre cobrar informações,

conhecimentos enciclo-pédicos, miríades de filosofias e dogmas,

pois Caeiro tem mais é sentimento, "Eu não tenho filosofia:

tenho sentidos... Se falo na Natureza não é porque saiba o que

ela é, Mas porque a amo, e amo-a por isso,", ou seja, ele ama

SEM SABER, sem ficar se explicando, sem ficar se justificando.

Logo Caeiro morre e sobra o desassossego. Morre o lado positivo

de Whitman em Pessoa, e sobra o Bernardo Soares a querer se

explicar. Aquele livro indigesto, "O Livro do Desassossego".

Amontoado de desculpas e falências. Mas é que Pessoa ele-

mesmo vivia em atribulações emocionais e deixa-se seduzir

pelos ocultismos disponíveis e obscuros, em visitações com

Crowley, em consultas com teosofias outras, sem encontrar

um lugar no mundo, sem saber quem ele realmente era. Ele

era muitos, como se dizia Whitman. Mas Whitman tinha se

livrado de seu lado sombrio (seu lado Poe, digamos) enquanto

Pessoa ele-mesmo era o pessimista leitor de Baudelaire, de Poe,

de simbolistas decadentes, enquanto buscava um classicismo

régio já inexistente, em odes (as de Ricardo Reis) que mais

evocavam um passado de planícies romanas e rios povoados

por ninfas e faunos. Uma idealização da "calma e do

sossego", uma vez que o "calmo e sossegado", o finado Caeiro,

não poderia mais ser o homem natural.

Então daí o "o poeta é um fingidor", pois Pessoa era consciente

de sua obra de 'fingimentos' para expressar exatamente quem

ele era - um homem em fragmento, um 'pessoas'. Lendo

Whitman - e desejando ser Whitman - e lendo Horácio e Virgílio -

e querendo ser um poeta latino, e lendo e traduzindo Poe e

Crowley, o 'lado sombrio' que nem toda a tecnocracia do mundo

poderia sufocar (vide a alta tecnologia alemã envolta em

paganismo nazista!) Ou melhor, o 'lado sombrio' é impossível

de ser sufocado - por mais que as odes sejam 'singelas' ou

'puras' há todo um rancor - que é próprio de um Baudelaire!

E em Caeiro há um ideal de progresso -bem ao gosto dos

futuristas - mas um rancor com o progresso!

Um auto-deprezo (demonstrado em "Poema em linha reta"!),

o sentimento de não ser moderno o suficiente (o que é ser

moderno? Vide um Rimbaud, por exemplo!), um imolar-se

em emoções (que as odes sejam triunfais ou ébrias-marítimas

são sempre um esfaquear-se lírico!), onde não há lugar para

um (digamos)HOMEM ÍNTEGRO?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode

haver tantos!


(Tabacaria, Álvaro de Campos)

Não um homem natural, mas máscaras. Não há uma integridade

mental, mas construtos de personalidade que vazam em versos

num papel. Daí a morte do 'eu natural', o rural Alberto Caeiro,

o simples, a FACE PANTEÍSTA, de amor com tudo, o lado

positivo que encontramos num Whitman, e se conservam a

FACE OBSCURA, dele mesmo, fã de Poe, Baudelaire e Crowley,

lado a lado com a FACE FUTURISTA, Álvaro de Campos,

cantando e regurgitando o progresso, e a FACE PESSIMISTA,

do tipo clássica, um Ricardo Reis, sóbrio e intimista, afogado em

odes; e do tipo urbana, um Bernardo Soares, apagado cidadão,

a rabiscar notas dignas de um Schopenhauer.

Quem é Fernando Pessoa? Certamente o homem que matou

Alberto Caeiro. O mestre que ele carregou pela vida toda - e

nunca conseguiu ressuscitar. O olhar de girassol que todo

menino tem e que se perde num mundo de mascaramento

e espelhos disformes. Um saudosismo do "ser íntegro' quando

adultos somos chamados a adotar PAPÉIS SOCIAIS, de

estudante, noiva, marido, empregado, patrão, desempregado,

viúva, cidadão, moça de família, prostituta. E onde a 'integridade',

a 'autenticidade' ?

Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.

(Tabacaria)

Num mundo de máscara não há lugar para a autenticidade.

E hipócritas entre hipócritas vamos seguindo a vida. Fernando

Pessoa consciente desse 'teatro' ainda ironiza a própria cons-

ciência derramada em seus "versos inúteis",

Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

(Tabacaria)

Jun/08

Por

Leonardo de Magalhaens